segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Sobre arquitetura, viagem, imóveis e culinária . Randomicamente falando...

Há tempo queria escrever por aqui sobre a influência da arquitetura dos cômodos na rotina ou na quebra da rotina das pessoas. Muito modestamente, claro, pois esse tema certamente é fruto de várias dissertações, teses, livros e matérias sobre o assunto.

Quando me mudei, comecei a “tomar gosto” por um lugar na casa que não me atraía muito antes: a cozinha. Comecei a me aventurar por essas bandas, e acho que boa parte dessa nova relação foi a funcionalidade que ganhei com esse ambiente em casa. Claro que as necessidades da família, os livros adquiridos, alguns programas no GNT e vídeos no Youtube também foram motivos de maior aproximação, mas antes eu não me atrevia a fazer nada que fosse além do trivial, e muito rápido, mas muito rápido mesmo. E graças a um bom planejamento e estudo de como tornar esse coração da casa mais funcional (thank´s, Thiago Carvalho, arquiteto!), terminei me aproximando mais. Não, não sou muito íntima, mas me viro, e isso me motivou a escrever por aqui, apesar de meu filho dizer que ninguém lê mais blogs... :)

O empurrão que faltava foi a leitura dessa matéria no Estadão, confirmando a influência dos ambientes no hábito das pessoas. Ela fala sobre a oportunidade de viver na casa de umas das referências em culinária do século 20, a Julia Child, autora de livros sobre o assunto. Deve ter sido uma experiência inesquecível entrar nesse lugar, e usar a cozinha, tentando imaginar tudo que foi vivido ali por Julia, sua família e seus alunos.

Esse cenário ainda me deixa mais envolvida, porque além do local (sul da França), tem uma outra referência que é o filme Julie & Julia, que fala sobre uma fã da Julia que decide fazer todas as receitas da sua ídola, que teve seu papel vivido pela mega blaster super atriz, Meryl Streep, de quem sou muito fã! Só isso seria motivo suficiente para escrever sobre ela, mas o cenário, a época e o tema (culinária), não me deixaram outra escolha... :) 

A matéria saiu no Canal Paladar, do Estadão. Deliciem-se e se imaginem nessa cozinha, nesse lugar, porque eu já me imaginei!

Uma semana na cozinha provençal de Julia Child
Repórter aluga a casa construída pela escritora e apresentadora Julia Child na França e passa uma semana cozinhando em sua memória

05 outubro 2016 | 12:45por Julia Moskin
The New York Times
De Plascassier, França

Não é possível dizer se os utensílios ainda não os mesmo de Julia, mas eles ocupam os mesmos lugares pensados por ela. Foto: France Keyser|NYT

Uma vez que a casa funcionou como escola de gastronomia durante muitos anos, não há como saber exatamente quais os utensílios que Julia usou, se é que ainda sobrou algum, mas esse detalhe não me impediu de sentir sua presença ali. A cozinha ainda se parece basicamente com o que mostravam as fotos dos anos 60 e 70, inclusive os batedores, as formas e o tal rolo de massa grande e pesado, tudo pendurado nos seus devidos lugares no painel da parede.
Muitas peças originais continuam lá: meu alho e minhas chalotas ficaram no pequeno recipiente de plástico em que ela marcou "ail echalotes" com um rotulador Dymo. Usei as facas em aço carbono antigas e manchadas, mas ainda incrivelmente afiadas dispostas no cepo que Paul Child fez, sobre a bancada.
Almocei na sacada onde ela alimentou lendas como os autores de culinária James Beard e Mary Frances Kennedy Fisher; nas minhas andanças, segui a trilha de alguns pratos da região que adorava – petiscos como flor de abóbora frita e socca na feira de Cannes; anchova salgada e azeitona caillette em Nice; mexericas inteiras e violetas cristalizadas da Confiserie Florian, perto de Grasse.


A casa La Pitchoune fica nas colinas que se erguem sobre a Côte d'Azur, a 16 km ao norte de Cannes. Foto: France Keyser|NYT


Na sacada da casa, Julia já alimentou lendas como o autor de culinária James Beard e M.F.K. Fisher. Foto: France Keyser|NYT

Descobri que os ingredientes da Provença de Julia Child continuam intactos – berinjelas e folhas de pêssego, limões e queijo de cabra – como também as feiras onde são vendidos, os produtores responsáveis por eles e os vendedores que os comercializam, com direito a dicas culinárias.
Já fora da casa, os sinais da vida dela são difíceis de achar.
Ela nunca foi celebridade na região, segundo seu sobrinho-neto, Alex Prud'homme, que acabou de publicar The French Chef in America, o relato sobre a vida dos Child depois que saíram da França e voltaram para os EUA. "O sul da França é famoso pelo despojamento e as pessoas que moravam nas cercanias não sabiam, ou não ligavam para o fato de Julia-Child-a-estrela-da-TV-norte-americana viver ali", escreve ele, relembrando uma visita de 1976.
A região cresceu, mas as feiras e os ingredientes seguem os mesmos. Foto: France Keyser|NYT

Na Boucherie Fabre, um açougue que fica do lado de fora do Marché Forville, em Cannes, desde 1899 (e onde me aconselharam a comprar músculo para o meu guisado à provençal), tive que reunir coragem para perguntar aos homens atrás do balcão, sérios, roupas manchadas de sangue, se alguém se lembrava dela.
Para minha surpresa, um funcionário meio curvado fez uma imitação até bem boa de Julia Child, erguendo a mão bem alto para indicar que seu 1,88 m a fazia se destacar ainda mais na França que nos EUA.
Em um de seus restaurantes favoritos, o Les Arcades em Biot, a chef, Mimi Brothier, continua preparando praticamente os mesmo pratos desde que a casa foi inaugurada, nos anos 60, como refeitório para os artistas locais. Provei suas sardinhas fritas, os pimentões assados à perfeição e a tradicional soupe au pistou. "Madame Child adorava nossos pratos e enquanto eu estiver por aqui, nada vai mudar", afirma Mimi, nascida aqui em 1934.
Nas colinas ao lado da casa, a vila Châteauneuf de Grasse. Foto: France Keyser|NYT

As mudanças, porém, acontecem em ritmo forte nessa parte da Provença, o departamento dos Alpes Marítimos que inclui Cannes, St.-Tropez e Antibes, além de Nice: desde que os Child se mudaram para lá, fazendas e vinhedos vêm se transformando em campos de golfe e mansões para acomodar as elites internacionais que querem viver na Côte d’Azur. Lojas famosas tiraram os clientes do centro das vilazinhas. Nice, hoje a quinta maior cidade da França, cresceu e engoliu aldeias, vales e campos.
Dentro da cozinha de La Pitchoune, porém, a impressão era a de que pouca coisa mudou. No balcão, longo e cheio de marcas, abri o livro na seção de massa folhada, com o desenhinho de três tabletes de manteiga e um rolo de massa sobre as receitas, exatamente como o que eu segurava, com mais de 60 cm de comprimento e grosso feito um taco de beisebol. "Bata a manteiga com o rolo para amolecê-la", era a instrução.
Eu nunca tinha pensado nisso. Sempre cortava cuidadosamente os pedacinhos congelados e tentei até acelerar o processo jogando tudo no liquidificador em funcionamento (é também um jeito muito bom de garantir respingos de gordura no teto), mas nunca tinha me vindo na cabeça dar umas pauladas na manteiga para submetê-la à minha vontade.
Na cozinha de Julia Child, ainda é possível sentir sua presença. Foto: France Keyser|NYT

Isso, em parte, porque a minha cozinha moderna não tem espaço para uma coleção de ferramentas poderosas como marretas, quebra-gelos e cabos de vassoura – esse último, segundo sua editora, Judith Jones, ficava à mão para quebrar os ossos da canela dos patos e gansos. Nem preciso dizer que o truque deu supercerto, produzindo uma manteiga macia e elástica, mas ainda fria, ideal para a massa.
(Se esses utensílios eram de fato de Julia, não se sabe. A Fundação Julia Child entrou na justiça, em junho, contra o Airbnb, para proibir o uso da norte-americana em uma campanha promocional de aluguel da casa; diz também que a alegação de que os utensílios de sua cozinha continuam "intactos, do jeito que ela os deixou" é falsa.)
Usar sua cozinha e seguir suas receitas durante uma semana me fez lembrar o quanto o preparo tradicional é exigente em termos físicos. "É preciso ter mãos fortes para cozinhar. Você tem que ser durona", disse ela para a Vogue, em 1968, durante uma sessão de fotos.
Com seus livros e programas de TV, Julia Child ensinou os Estados Unidos a fazer cozinha francesa. Foto: Bill Aller|NYT

Forçar legumes fibrosos no moedor, amassar pão e virar a manivela do moedor de carne de aço puro exigem verdadeiro preparo físico. E essas eram atividades básicas na época em que Julia ensinava os EUA a cozinhar, com seus livros e programas de TV, muito antes que as cenouras baby, a carne moída, a massa de pão préassada e outras facilidades estivessem disponíveis em qualquer supermercado.
O casal construiu La Pitchoune (e a apelidaram de "La Peetch") depois da publicação de Mastering the Art of French Cooking, em 1961, que foi um sucesso; eles tinham voltado para os EUA e faziam The French Chef para o WGBH, mas Julia Child ainda estava longe de ser famosa e o casal não era rico.
Por isso, a cozinha de La Pitchoune não é luxuosa, nem espaçosa; não ocuparia nem um canto do famoso "celeiro do entretenimento" de Ina Garten. Com painéis nas paredes e iluminação industrial, não se parece em nada com o cenário apropriado a uma chef famosa, mas tem tudo a ver com o objetivo pelo qual foi montada: uma "oficina" prática para uma cozinheira com um trabalho danado pela frente.
O casal Child se sentiu atraído pela Provença por motivos como: sol, azeitonas, figos, vinho.Foto: France Keyser|NYT

Casa de aluguel. No Brasil, a casa de Nina Horta, banqueteira e autora de gastronomia, em Paraty também pode ser alugada pelo Airbnb. Pela cozinha, toda equipada, espalham-se compoteiras, gamelas e a coleção de utensílios de Nina. Objetos únicos juntados pela escritora nas andanças pelo interior do Brasil.


A irreverente Julia Child
Nascida em 1912, na Califórnia, Julia Carolyn McWilliams foi a americana que, com seu jeito bem-humorado, ensinou os Estados Unidos a fazer cozinha francesa. Ela se apaixonou pela gastronomia da França durante sua passagem por Paris para acompanhar o marido militar. Além de escrever o célebre Mastering the Art of French Cooking (Dominando a arte da cozinha francesa, em tradução livre), apresentou programas de culinária nos EUA. Em 2009, foi retratada no filme Julie & Julia por Meryl Streep. Ela morreu em 2004, dois dias antes de completar 92 anos, e deixou um legado de ensinamentos, bordões ("Bon appetit!") e frases inspiradoras. 

“Pessoas que amam comer são sempre as melhores.”
Sempre alegre, Julia começou a se interessar pela cozinha aos 32 anos. Até então, dizia ela, "só comia".

“Uma festa sem bolo, na verdade, é apenas uma reunião.”

“Se você tem medo de usar manteiga, use creme de leite.” Julia nunca escondeu sua paixão pela manteiga, que, para ela, nunca era demais. Suas receitas chegavam a usar barras inteiras e ela já se pronunciou diversas vezes sobre o ingrediente. “Manteiga nunca machuca”, dizia. Ou "com manteiga suficiente, tudo fica gostoso". 

"Sempre comece com uma vasilha maior do que você acha que vai precisar."
Sempre ávida por novos conhecimentos, Julia cursou a célebre escola de cozinha Le Cordon Bleu, em Paris. 

"A única hora para comer comidas 'diet' é enquanto você está esperando o bife cozinhar."
Julia ainda diz que cozinhar bem não significa fazer "obras primas complicadas ou sofisticadas - é só boa comida de ingredientes frescos". 

“Gordura dá sabor às coisas"
Julia não tinha medo de mostrar que gostava de viver. Isso não significava comer mal ou descontroladamente - para ela, comida boa é comida be bem feita com bons ingredientes. "A vida em si é a farra certa", dizia ela. 

"Eu sempre faço uma massagem generosa com manteiga no meu frango antes colocá-lo no forno. Por quê? Porque eu acho que ele gosta - e, mais importante, eu gosto.”
Sem nunca perder o bom humor, Julia ajudou as donas de casa americanas a perderem o medo na cozinha francesa.

“Eu acho que toda mulher deveria ter um maçarico."
Ele impressiona pelo fogo e pelos resultados. Pode ser usado para caramelizar o crème brûlée, tostar pele de peixe e tirar a casca do pimentão, entre outros truques.

"Uma vez que você tenha dominado uma técnica, mal terá que olhar para uma receita de novo."
Julia mudou o jeito de os americanos encararem a cozinha doméstica com seus livros de receitas,  onde ela apresentava uma versão acessível da sofisticada culinária francesa. Para ela, ninguém nasce sabendo cozinhar - é uma questão de testar e treinar muito.


"O único obstáculo real é o medo de falhar. Na cozinha, você precisar ter uma atitude de 'que se dane tudo'."
Julia foi autora de muitas frases inspiradoras. Quando pediam dicas a ela, eis o que ela dizia: "Este é o meu conselho invariável para as pessoas: aprenda a cozinhar, tente novas receitas, aprenda com seus erros, seja destemido e, acima de tudo, divirta-se!