Há tempo queria escrever por aqui sobre a influência da
arquitetura dos cômodos na rotina ou na quebra da rotina das pessoas. Muito
modestamente, claro, pois esse tema certamente é fruto de várias dissertações, teses,
livros e matérias sobre o assunto.
Quando me mudei, comecei a “tomar gosto” por um lugar na casa que
não me atraía muito antes: a cozinha. Comecei a me aventurar por essas bandas,
e acho que boa parte dessa nova relação foi a funcionalidade que ganhei com
esse ambiente em casa. Claro que as necessidades da família, os livros
adquiridos, alguns programas no GNT e vídeos no Youtube também foram motivos de
maior aproximação, mas antes eu não me atrevia a fazer nada que fosse além do
trivial, e muito rápido, mas muito rápido mesmo. E graças a um bom planejamento e
estudo de como tornar esse coração da casa mais funcional (thank´s, Thiago Carvalho, arquiteto!), terminei me
aproximando mais. Não, não sou muito íntima, mas me viro, e isso me motivou a
escrever por aqui, apesar de meu filho dizer que ninguém lê mais blogs... :)
O empurrão que faltava foi a leitura dessa matéria no Estadão, confirmando a influência dos ambientes no hábito das pessoas. Ela fala sobre a oportunidade de viver na casa de umas das referências em culinária do
século 20, a Julia Child, autora de livros sobre o assunto. Deve ter sido uma experiência inesquecível entrar
nesse lugar, e usar a cozinha, tentando imaginar tudo que
foi vivido ali por Julia, sua família e seus alunos.
Esse cenário ainda me deixa mais envolvida, porque além do local (sul da França), tem uma outra referência que é o filme
Julie & Julia, que fala sobre uma fã da Julia que decide fazer todas as receitas da sua ídola, que teve seu papel vivido pela
mega blaster super atriz, Meryl Streep, de quem sou muito fã! Só isso
seria motivo suficiente para escrever sobre ela, mas o cenário, a época e o tema (culinária), não me deixaram outra escolha... :)
A matéria saiu no Canal Paladar, do Estadão. Deliciem-se e se
imaginem nessa cozinha, nesse lugar, porque eu já me imaginei!
Uma semana na
cozinha provençal de Julia Child
Repórter aluga a casa construída pela escritora e
apresentadora Julia Child na França e passa uma semana cozinhando em sua
memória
05 outubro
2016 | 12:45por Julia Moskin
The New York Times
De
Plascassier, França
Não é possível dizer se os utensílios ainda não os mesmo de Julia, mas
eles ocupam os mesmos lugares pensados por ela. Foto: France Keyser|NYT
Uma vez que a casa funcionou como escola de gastronomia durante muitos
anos, não há como saber exatamente quais os utensílios que Julia usou, se é que
ainda sobrou algum, mas esse detalhe não me impediu de sentir sua presença ali.
A cozinha ainda se parece basicamente com o que mostravam as fotos dos anos 60
e 70, inclusive os batedores, as formas e o tal rolo de massa grande e pesado,
tudo pendurado nos seus devidos lugares no painel da parede.
Muitas peças originais continuam lá: meu alho e minhas chalotas ficaram
no pequeno recipiente de plástico em que ela marcou "ail echalotes"
com um rotulador Dymo. Usei as facas em aço carbono antigas e manchadas, mas
ainda incrivelmente afiadas dispostas no cepo que Paul Child fez, sobre a
bancada.
Almocei na sacada onde ela alimentou lendas como os autores de culinária
James Beard e Mary Frances Kennedy Fisher; nas minhas andanças, segui a
trilha de alguns pratos da região que adorava – petiscos como flor de abóbora
frita e socca na feira de Cannes; anchova salgada e azeitona caillette em Nice;
mexericas inteiras e violetas cristalizadas da Confiserie Florian, perto de Grasse.
A casa La Pitchoune fica nas colinas que se erguem sobre a Côte d'Azur,
a 16 km ao norte de Cannes. Foto: France Keyser|NYT
Na sacada da casa, Julia já alimentou lendas como o autor de culinária
James Beard e M.F.K. Fisher. Foto: France Keyser|NYT
Descobri que os ingredientes da Provença de Julia Child continuam
intactos – berinjelas e folhas de pêssego, limões e queijo de cabra – como
também as feiras onde são vendidos, os produtores responsáveis por eles e os
vendedores que os comercializam, com direito a dicas culinárias.
Já fora da casa, os sinais da vida dela são difíceis de achar.
Ela nunca foi celebridade na região, segundo seu sobrinho-neto, Alex
Prud'homme, que acabou de publicar The French Chef in America, o
relato sobre a vida dos Child depois que saíram da França e voltaram para os
EUA. "O sul da França é famoso pelo despojamento e as pessoas que moravam
nas cercanias não sabiam, ou não ligavam para o fato de
Julia-Child-a-estrela-da-TV-norte-americana viver ali", escreve ele,
relembrando uma visita de 1976.
A região cresceu, mas as feiras e os ingredientes seguem os
mesmos. Foto: France Keyser|NYT
Na Boucherie Fabre, um açougue que fica do lado de fora do Marché
Forville, em Cannes, desde 1899 (e onde me aconselharam a comprar músculo para
o meu guisado à provençal), tive que reunir coragem para perguntar aos homens
atrás do balcão, sérios, roupas manchadas de sangue, se alguém se lembrava
dela.
Para minha surpresa, um funcionário meio curvado fez uma imitação até
bem boa de Julia Child, erguendo a mão bem alto para indicar que seu 1,88 m a
fazia se destacar ainda mais na França que nos EUA.
Em um de seus restaurantes favoritos, o Les Arcades em Biot, a chef,
Mimi Brothier, continua preparando praticamente os mesmo pratos desde que a casa
foi inaugurada, nos anos 60, como refeitório para os artistas locais. Provei
suas sardinhas fritas, os pimentões assados à perfeição e a tradicional soupe
au pistou. "Madame Child adorava nossos pratos e enquanto eu estiver
por aqui, nada vai mudar", afirma Mimi, nascida aqui em 1934.
Nas colinas ao lado da casa, a vila Châteauneuf de Grasse. Foto:
France Keyser|NYT
As mudanças, porém, acontecem em ritmo forte nessa parte da Provença, o
departamento dos Alpes Marítimos que inclui Cannes, St.-Tropez e Antibes, além
de Nice: desde que os Child se mudaram para lá, fazendas e vinhedos vêm se
transformando em campos de golfe e mansões para acomodar as elites
internacionais que querem viver na Côte d’Azur. Lojas famosas tiraram os
clientes do centro das vilazinhas. Nice, hoje a quinta maior cidade da França,
cresceu e engoliu aldeias, vales e campos.
Dentro da cozinha de La Pitchoune, porém, a impressão era a de que pouca
coisa mudou. No balcão, longo e cheio de marcas, abri o livro na seção de
massa folhada, com o desenhinho de três tabletes de manteiga e um rolo de massa
sobre as receitas, exatamente como o que eu segurava, com mais de 60 cm de
comprimento e grosso feito um taco de beisebol. "Bata a manteiga com o
rolo para amolecê-la", era a instrução.
Eu nunca tinha pensado nisso. Sempre cortava cuidadosamente os
pedacinhos congelados e tentei até acelerar o processo jogando tudo no
liquidificador em funcionamento (é também um jeito muito bom de garantir
respingos de gordura no teto), mas nunca tinha me vindo na cabeça dar umas
pauladas na manteiga para submetê-la à minha vontade.
Na cozinha de Julia Child, ainda é possível sentir sua
presença. Foto: France Keyser|NYT
Isso, em parte, porque a minha cozinha moderna não tem espaço para uma
coleção de ferramentas poderosas como marretas, quebra-gelos e cabos de
vassoura – esse último, segundo sua editora, Judith Jones, ficava à mão para
quebrar os ossos da canela dos patos e gansos. Nem preciso dizer que o truque
deu supercerto, produzindo uma manteiga macia e elástica, mas ainda fria, ideal
para a massa.
(Se esses utensílios eram de fato de Julia, não se sabe. A Fundação
Julia Child entrou na justiça, em junho, contra o Airbnb, para proibir o uso da
norte-americana em uma campanha promocional de aluguel da casa; diz também que
a alegação de que os utensílios de sua cozinha continuam "intactos, do
jeito que ela os deixou" é falsa.)
Usar sua cozinha e seguir suas receitas durante uma semana me fez
lembrar o quanto o preparo tradicional é exigente em termos físicos. "É
preciso ter mãos fortes para cozinhar. Você tem que ser durona", disse ela
para a Vogue, em 1968, durante uma sessão de fotos.
Com seus livros e programas de TV, Julia Child ensinou os Estados Unidos
a fazer cozinha francesa. Foto: Bill Aller|NYT
Forçar legumes fibrosos no moedor, amassar pão e virar a manivela do
moedor de carne de aço puro exigem verdadeiro preparo físico. E essas eram
atividades básicas na época em que Julia ensinava os EUA a cozinhar, com seus
livros e programas de TV, muito antes que as cenouras baby, a carne moída, a
massa de pão préassada e outras facilidades estivessem disponíveis em qualquer
supermercado.
O casal construiu La Pitchoune (e a apelidaram de "La Peetch")
depois da publicação de Mastering the Art of French Cooking, em
1961, que foi um sucesso; eles tinham voltado para os EUA e faziam The
French Chef para o WGBH, mas Julia Child ainda estava longe de ser
famosa e o casal não era rico.
Por isso, a cozinha de La Pitchoune não é luxuosa, nem espaçosa; não
ocuparia nem um canto do famoso "celeiro do entretenimento" de Ina
Garten. Com painéis nas paredes e iluminação industrial, não se parece em nada
com o cenário apropriado a uma chef famosa, mas tem tudo a ver com o objetivo
pelo qual foi montada: uma "oficina" prática para uma cozinheira com
um trabalho danado pela frente.
O casal Child se sentiu atraído pela Provença por motivos como: sol,
azeitonas, figos, vinho.Foto: France Keyser|NYT
Casa de aluguel. No Brasil, a casa de Nina
Horta, banqueteira e autora de gastronomia, em Paraty também pode ser
alugada pelo Airbnb. Pela cozinha, toda equipada, espalham-se
compoteiras, gamelas e a coleção de utensílios de Nina. Objetos únicos juntados
pela escritora nas andanças pelo interior do Brasil.
A
irreverente Julia Child
Nascida em 1912, na
Califórnia, Julia Carolyn McWilliams foi a americana que, com seu jeito
bem-humorado, ensinou os Estados Unidos a fazer cozinha francesa. Ela se
apaixonou pela gastronomia da França durante sua passagem por
Paris para acompanhar o marido militar. Além de escrever o
célebre Mastering the Art of French Cooking (Dominando a arte da
cozinha francesa, em tradução livre), apresentou programas de culinária nos
EUA. Em 2009, foi retratada no filme Julie & Julia por Meryl
Streep. Ela morreu em 2004, dois dias antes de completar 92 anos, e deixou um
legado de ensinamentos, bordões ("Bon appetit!") e frases inspiradoras.
“Pessoas
que amam comer são sempre as melhores.”
Sempre alegre, Julia
começou a se interessar pela cozinha aos 32 anos. Até então, dizia
ela, "só comia".
“Uma
festa sem bolo, na verdade, é apenas uma reunião.”
“Se você tem medo de
usar manteiga, use creme de leite.” Julia nunca escondeu sua paixão pela manteiga, que, para ela, nunca era demais. Suas receitas chegavam a usar barras inteiras e ela já se pronunciou diversas vezes sobre o ingrediente. “Manteiga nunca
machuca”, dizia. Ou "com manteiga suficiente, tudo fica gostoso".
"Sempre
comece com uma vasilha maior do que você acha que vai precisar."
Sempre ávida por novos
conhecimentos, Julia cursou a célebre escola de cozinha Le Cordon Bleu, em
Paris.
"A
única hora para comer comidas 'diet' é enquanto você está esperando o bife
cozinhar."
Julia ainda diz que
cozinhar bem não significa fazer "obras primas complicadas ou sofisticadas
- é só boa comida de ingredientes frescos".
“Gordura
dá sabor às coisas"
Julia não tinha medo de
mostrar que gostava de viver. Isso não significava comer mal ou descontroladamente
- para ela, comida boa é comida be bem feita com bons ingredientes.
"A vida em si é a farra certa", dizia ela.
"Eu
sempre faço uma massagem generosa com manteiga no meu frango antes colocá-lo no
forno. Por quê? Porque eu acho que ele gosta - e, mais importante, eu gosto.”
Sem nunca perder o
bom humor, Julia ajudou as donas de casa americanas a perderem o
medo na cozinha francesa.
“Eu
acho que toda mulher deveria ter um maçarico."
Ele impressiona pelo
fogo e pelos resultados. Pode ser usado para caramelizar o crème brûlée, tostar
pele de peixe e tirar a casca do pimentão, entre outros truques.
"Uma
vez que você tenha dominado uma técnica, mal terá que olhar para uma receita de
novo."
Julia mudou o jeito de
os americanos encararem a cozinha doméstica com seus livros de receitas, onde ela apresentava
uma versão acessível da sofisticada culinária francesa. Para ela, ninguém nasce
sabendo cozinhar - é uma questão de testar e treinar muito.
"O
único obstáculo real é o medo de falhar. Na cozinha, você precisar ter uma
atitude de 'que se dane tudo'."
Julia foi autora de muitas frases
inspiradoras. Quando pediam dicas a ela, eis o que ela dizia: "Este é
o meu conselho invariável para as pessoas: aprenda a cozinhar, tente novas receitas, aprenda com seus erros, seja destemido e, acima de tudo, divirta-se!